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AS HISTÓRIAS CONTADAS PELOS RITUAIS FÚNEBRES VIKINGS

Os dedos humanos ficavam em pilares dentro de casa, enquanto os ossos do quadril eram uma parte natural da lareira. Os limites entre a morte e a vida eram diferentes para os vikings do que são para nós.



— A casa e os mortos estão em contato próximo. A casa se torna um memorial e a testemunha do desejo de estar fisicamente perto dos mortos, diz Marianne Hem Eriksen do Museu de História Cultural da Universidade de Oslo.

Os distintos grandes salões tiveram um papel importante na Era Viking. Atualmente os arqueólogos estão preocupados com as casas, como uma chave para entender as condições sociais e políticas durante o período. Aqui, a reconstrução de uma fazenda da Idade do Ferro em Stavanger, dentro de um grande salão de Borg em Lofoten. Foto: Marianne Hem Eriksen

A arqueóloga está particularmente preocupada com o papel das casas na comunidade viking. A vida cotidiana não é apolítica e neutra, mas pode ser a chave para entender as condições sociais e políticas, ressaltou.


— Foi o que as feministas disseram na década de 1970: o privado é político.

Eriksen ressalta que a arquitetura nos espelha e nos molda.


— É, por exemplo, uma chave importante na forma de como somos inseridos numa sociedade. Na Era Viking, talvez fosse imaginado que as casas tivessem um curso de vida.


De qualquer forma, é certo que os materiais de construção eram diferentes.


— Em raras ocasiões, eles usavam os dedos e ossos de quadril humano para fazer as lareiras que ficavam dentro de casa. Só recentemente, os cientistas começaram a reconhecer a complexa relação entre os túmulos e as casas na Idade do Ferro e na Era Viking. Os mortos estavam ligados às casas, ressalta Eriksen.


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Os objetos eram pessoas

Hoje, a dignidade humana é percebida como eterna e inviolável. Esse não era o caso na Era Viking.


— Havia uma outra dimensão na fronteira entre o homem e as coisas. Nem todas as pessoas foram necessariamente consideradas pessoas, diz Eriksen.


— Alguns objetos podem ter sido pessoas. Pesquisadores, segundo fontes medievais, apontam que as espadas podiam ter nomes próprios, e que as espadas encontradas nas covas eram frequentemente dobradas e quebradas deliberadamente.


As espadas poderiam ser inspirações

Todos conhecemos o panteão oficial dos deuses: Odin, Thor e Freya. Mas as pessoas provavelmente viviam em um mundo mais complexo, cercado por vários poderes e forças, tanto da natureza, quanto dos objetos e monumentos.


— Não podemos, desta vez, nos manter sagrados e profanos um do outro, enquanto estudamos. Rituais e finanças estão interligados e se misturam. Por exemplo, algumas atividades econômicas básicas, como agricultura, construção de casas, tecelagem, ferraria e assim por diante, têm mitos e rituais associados a elas.


As portas do passado

Marianne Hem Eriksen estudou especialmente as portas das casas na Era Viking e no período anterior, chamado Merovíngio.


— As portas indicam exatamente o que são e a quem pertencem, a quem está do lado de fora.


— Como um objeto material cotidiano — a porta — nos ajuda a entender as relações sociais, políticas e rituais há mais de 1000 anos?


— Então, eu escrevi um livro inteiro sobre isso, disse Eriksen, referindo-se à publicação "Arquitetura, Sociedade e Rituais na Escandinávia da Era Viking", publicado na Cambridge University Press no ano passado.


— Claro, não se trata apenas de portas, mas de como as pessoas constroem salas e lugares que controlam os movimentos, que enviam corpos em direções específicas, que direcionam nossos olhos e moldam como pensamos sobre a forma em que mundo está interconectado.


Ao reunir o conhecimento sobre a hierarquia norueguesa e as casas vikings, Eriksen fez as seguintes perguntas: quantas pessoas moravam juntas? Quantos quartos eles tinham? Como eles criavam limites entre si? Como as forças do mal resistiam? Como eles queriam que as casas aparecessem?


Pesquisou sobre as molduras das portas

Eriksen, cerca de dez anos atrás, teve a ideia de investigar como as portas eram usadas e o que elas significavam.


Descobri um elo estranho entre dois textos. Um foi escrito por Ahmad ibn Fadlan, do califado árabe. Ele falou do enterro de um chefe viking em Volga no ano de 922.


A segunda era da saga islandesa Flateyjarbók, onde a edição preservada mais antiga data dos anos 1300.


— Embora os textos sejam gravados há séculos e em contextos geográficos e culturais amplamente diferentes, ambos falam de uma mulher sendo levantada sobre a moldura da porta para permitir que ela olhe para o outro reino.


— Qual era o objetivo disso?


— Como em muitas culturas, parece que a porta poderia servir como um portal para outros mundos. Além disso, esses dois episódios são sobre mulheres, sobre um relacionamento íntimo com os mortos, sobre corpo e sexualidade. Temos uma visão de um mundo totalmente diferente.


Ainda hoje, as portas geralmente têm valor ritual.


— Ainda o vemos, como quando um noivo carrega a noiva pela porta, ou na história de São Pedro ou na do portão de pérolas.


Matavam crianças

Através de sagas e poemas heroicos, sabemos "tudo" sobre reis e guerreiros, suas vitórias e derrotas. Mas estes estavam sobre os ombros de centenas de milhares de pessoas menos importantes, que nunca contaram a sua história.


Eriksen quer trazer outros grupos sociais, como crianças, escravos e jovens à luz da história.


"Ainda estamos preocupados demais com os chefes e os reis", diz a pesquisadora que publicou anteriormente um artigo sobre o fechamento, desde o primeiro milênio, de bebês e crianças pequenas dentro das casas.


É quase uma constatação que as mulheres, as escravas e as servas não tenham podido escrever as fontes históricas. Em vez disso, os homens contaram a história, muitas vezes séculos depois, num país já cristão.


— Isso significa que sempre operamos com algumas perspectivas privilegiadas do passado. Nos falta a diversidade.


O mesmo vale para o material arqueológico: foi cuidadosamente estimado que metade da população não era enterrada na Era Viking.


— Ainda tiramos conclusões com base nas sepulturas da elite e as tornamos como universalmente válidas para toda a sociedade, Eriksen objetou.


Pode ser difícil para as pessoas de hoje, produtos da era do Iluminismo e da revolução industrial que somos, entrar na mentalidade daqueles que viveram mais de mil anos antes de nós.


— É fácil pensar no que é racional e projetá-lo no passado. Mas, quando estudamos sociedades em que possuir outras pessoas ou matar crianças é socialmente aceitável, é preciso ver com outros olhos.


A arqueóloga traz a perspectiva êmica, vendo a realidade cultural como foi vivida e descrita por membros de uma sociedade em particular.


— Quero levar a sério a realidade do povo da Era Viking, sem tentar explicá-la a partir da era da iluminação, entre a natureza e a cultura, o corpo e a mente, a sagrada e a profana, ou da perspectiva do capitalismo tardio, onde tudo é aumentar a posição social e maximizar o lucro. Obviamente, isso não significa legitimar o que é uma visão humana terrível para nós.


Fiquei no celeiro com os animais

Talvez o exemplo mais bonito de uma casa viking seja uma agência de viagens em Borg, em Lofoten. Feita de postes e paredes de barro ou madeira. O telhado é coberto com juncos, palha e nunca turfa.


— Poderia ter sido a casa de um chefe regional ou de um rei mesquinho, membros da família, escravos, artesãos, convidados e guerreiros. Talvez o chefe também tenha várias esposas e bastardos ou muitos filhos de status diferentes, que possam ter vivido lá, disse Eriksen.


Ela tentou descobrir por dentro como era feita a hierarquia de um lugar tão grande.


— O chefe provavelmente estava sentado em um trono, como o representante de Odin, cercado por lobos, que simbolicamente são guerreiros divinos. Enquanto outras pessoas em Borg, os escravos, podem ter vivido no celeiro com os animais.


Os arqueólogos veem sinais de estratificação social. Presumivelmente, a afiliação familiar, idade, status social e sexo colocavam os indivíduos em um sistema social.


— Compreender o gênero nos tempos vikings é difícil. Por um lado, algumas mulheres obviamente tinham uma posição social muito central. O Oseberggrave foi construído para duas mulheres. Algumas mulheres foram enterradas como guerreiras e podem ter desafiado os papéis de gênero da época.


Alguns historiadores traçam as linhas da sociedade da Era Viking à atual política de igualdade de gênero na Escandinávia.


Pode ser fácil demais, diz a arqueóloga.

- Para as mulheres que não faziam parte da elite, especialmente para as escravas, a vida provavelmente não era muito fácil. Estamos falando de sociedades que idealizam a violência, que tinham uma forte ideologia de guerra e capturavam e vendiam outras pessoas. A exploração em todos os aspectos provavelmente foi generalizada.


Os mortos viviam novamente.

Histórias de pessoas mortas caminhando novamente eram comuns. A exemplo de uma história da saga Eyrbyggja, sobre a mulher Þorgunna que previu a própria morte, como se fosse tirada de um moderno filme de zumbi.


Þorgunna insistia que a sua cama e roupas de cama fossem queimadas depois que ela estivesse morta. Quando isso não aconteceu, a falecida passou a assombrar os vivos. Depois, mais e mais pessoas morreram e voltaram a vida, até que finalmente, os 18 mortos sentaram-se com os sobreviventes ao redor do fogo durante à noite.


— Então eles montaram uma espécie de quadra na porta e expulsaram os mortos. As portas são novamente um portal que separa os que pertencem dos estranhos. Mais tarde, vemos o mesmo pensamento quando as pessoas marcam suas portas com cruzes para manter Åsgårdsreia do lado de fora.


FONTE: Apollon

SMEDSRUD, Morten. Dødsritualene forteller historier. Apollon. Oslo, 21 de fev. de 2020. Diponível em: <https://www.apollon.uio.no/artikler/2020/1_tema_gravritualer.html>. Acesso em: 21 de fev. de 2020. (Livremente traduzido pela Livros Vikings).


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