Vikings e sepultamentos: o desvelar oculto da gravidez e da vida comunitária nórdica
- Livros Vikings
- há 1 dia
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A surpreendente invisibilidade da mulher grávida viking e as novas revelações de um cemitério que reescrevem nossa visão da Era Viking

A imagem da mulher viking guerreira, forte e independente é popular, mas o que sabemos sobre a experiência da gravidez na Era Viking?
Apesar de a reprodução ser um pilar fundamental de qualquer sociedade, a presença de mulheres vikings grávidas nas fontes históricas é surpreendentemente escassa.
Uma nova pesquisa lançou luz sobre esse paradoxo, revelando como a política e as estruturas sociais da época podem ter moldado a invisibilidade da gravidez nesse período.
Índice
O enigma da invisibilidade viking na gravidez
A vida na Era Viking era brutal e efêmera, com uma expectativa média de vida de apenas 40 anos.
Pesquisadores estimam que a maioria das mulheres vikings passava grande parte de suas vidas grávidas ou amamentando, um aspecto da existência que, diferentemente de hoje, elas não podiam controlar.
No entanto, essa realidade biológica e social central é quase imperceptivelmente documentada nas fontes históricas.
Marianne Hem Eriksen, uma arqueóloga, e sua equipe buscaram por mulheres vikings grávidas em três pilares: literatura (sagas e textos legais), achados em sepulturas e arte. Os resultados, recentemente publicados no Cambridge Archaeological Journal, são reveladores: a invisibilidade é a regra, não a exceção.
A literatura das sagas, por exemplo, raramente coloca a mulher viking grávida como figura central, relegando-a, na maioria das vezes, a um papel secundário. Quando aparecem, a linguagem utilizada para descrevê-las tende a ser negativa, retratando a mulher viking grávida como doente, incompleta, indisposta ou pesada.
Contudo, uma exceção notável na Saga do Povo de Laxardal ilustra uma dinâmica social complexa: Helgi Harðbeinsson arrasta sua lança ensanguentada sobre as roupas e a barriga de Guðrún Ósvífrsdóttir, então grávida, proferindo a frase:

Acredito que sob esta vestimenta repousa a minha própria morte.
E, de fato, o feto na barriga cresce e vinga seu pai. Esta narrativa particular mostra que, em certos contextos, o feto já era considerado um ser social antes mesmo do nascimento, parte de alianças e disputas de sangue, da política e da vingança, enquanto ainda estava no útero.
Curiosamente, essa visão contrasta drasticamente com a de um feto no ventre de uma mulher escravizada, que era visto, segundo textos legais, como um defeito em um corpo à venda.
Para uma análise mais aprofundada sobre a complexidade da gravidez e seu papel na política da Era Viking, vale a pena revisitar nosso artigo anterior: A política do ventre na Era Viking: gravidez, poder e destino.
Descobertas arqueológicas e artísticas do Universo Viking
A busca por representações de mulheres vikings grávidas na arte da Era Viking também revelou a mesma escassez. Entre milhares de representações de pessoas na arte viking, a equipe de Eriksen encontrou apenas uma possível imagem de uma mulher viking grávida.
O objeto, um pingente encontrado no túmulo de uma mulher em Aska, Suécia, mostra uma mulher que parece estar com os braços em volta de uma barriga de grávida. Neste sentido, Eriksen ressalta que:

Objetos como este são frequentemente interpretados como amuletos ou representações de deuses. Eles não são considerados representações literais de pessoas comuns.
De fato, a maioria das pessoas na Era Viking provavelmente nunca viu uma imagem humana que se assemelhasse a si mesma, dada a forte predominância de figuras masculinas na arte e a representação de mulheres tipicamente de elite, possivelmente deusas ou criaturas mitológicas.
No entanto, há uma intrigante exceção literária que sugere um papel ativo para a mulher viking grávida. Na Saga de Erik, o Vermelho, Freydís Eiríksdóttir, grávida e sob ataque, pega uma espada e expõe os seios, golpeando-os com o lado chato da lâmina, espantando os atacantes.
Eriksen traça uma conexão entre essa história e o pingente de Aska, onde a mulher viking parece usar um capacete com um protetor nasal em forma de trevo.
Essa relação indica que as mulheres vikings grávidas não eram necessariamente passivas; na arte e literatura viking, era possível que uma mulher viking grávida fosse uma guerreira ou estivesse associada a armamentos.
A pesquisa nos cemitérios da Era Viking, abrangendo escavações desde o século XIX até o presente, procurou por mulheres vikings em idade reprodutiva enterradas com recém-nascidos – aquelas que poderiam ter morrido no final da gravidez ou durante o parto.

De milhares de túmulos, apenas 14 possíveis casos foram encontrados. Esse número é surpreendentemente baixo, especialmente considerando a alta mortalidade materna em sociedades pré-industriais.
Essa baixa representatividade pode estar ligada a um padrão já observado por Eriksen: recém-nascidos e crianças pequenas não recebiam enterros típicos, sendo muitas vezes colocados em buracos de postes, enterrados dentro de casas, em poços ou em fossas.
Isso sugere que as crianças eram consistentemente subrepresentadas nos registros funerários e não eram enterradas da mesma forma que os adultos. Além disso, não há evidências de uma tradição viking de enterrar mães e bebês juntos, diferentemente, por exemplo, das sociedades anglo-saxãs na Inglaterra, onde a prática era comum e frequentemente revelava "nascimentos em caixão".
Para mais novidades sobre achados arqueológicos e históricos recentes, não deixe de ler nosso artigo: O mundo viking em suas mãos: tudo o que você perdeu durante o recesso da Livros Vikings.
Implicações sociais e políticas da gravidez na “sociedade” viking
A arqueologia tradicionalmente tem dado pouca atenção às mulheres vikings e às suas vidas, em parte devido à romantização da Era Viking e aos estereótipos que ainda influenciam a pesquisa.
A própria ausência de foco na gravidez nas fontes vikings é uma descoberta significativa. A reprodução é fundamental para a sociedade em todos os sentidos, mas também é profundamente política.
Essa politização pode ser observada no material limitado disponível e na falta de foco na vida das mulheres vikings grávidas na literatura das sagas.
Questões como "quando um feto se torna um ser social" ou "o direito à autonomia reprodutiva", que hoje reconhecemos como políticas, não são frequentemente vistas dessa forma ao olhar para o passado, onde a política é geralmente definida por leis, batalhas e coroações.
O impacto das novas perspectivas na arqueologia e historiografia viking
Lisbeth Skogstrand, professora associada de arqueologia na Universidade de Bergen, elogia o trabalho inovador de Eriksen, que:
Ousa fazer perguntas que poucos outros sequer consideraram.
A centralidade da gravidez para a existência humana e sua notável ausência nos registros da Era Viking é um paradoxo gritante.
A baixa contagem de túmulos contendo mães e recém-nascidos (apenas 14) e a existência de um único pingente com uma possível representação de mulher viking grávida são dados alarmantes.
Essa ausência é um achado significativo, indicando uma omissão deliberada, e não um simples esquecimento.
A Era Viking, muitas vezes retratada como hipermasculina, parece ter focado intencionalmente nos aspectos masculinos da cultura, deixando o que não era visível de lado.
Eriksen está desafiando essa visão, buscando o que está oculto e questionando as respostas fáceis.
Um vislubre de um cemitério viking em Lisbjerg
Recentemente, escavações conduzidas por arqueólogos do Moesgaard Museum revelaram um cemitério viking com 30 sepulturas em Lisbjerg, na Dinamarca, com a possibilidade de mais enterros na área circundante.

Acredita-se que os túmulos datem de 900-1000 d.C., e análises futuras devem fornecer informações mais precisas sobre o período de uso do local.
Embora apenas algumas sepulturas contivessem fragmentos de ossos humanos ou dentes, várias apresentavam bens funerários como contas, moedas e cerâmicas.
Um sepultamento particularmente notável continha um caixão de madeira, medindo 32 cm por 32 cm, provavelmente feito de carvalho, com suportes e um mecanismo de travamento que pode ter sido prateado, além de rebites decorativos nas laterais e na tampa.
Acredita-se que este objeto tenha pertencido a uma mulher viking rica, enterrada com uma seleção de seus itens pessoais, incluindo uma conta de filigrana de prata, uma possível fivela, uma tesoura de cerca de 14 cm de comprimento e um carretel de fio dourado.
Sepultamentos com caixões desse tipo são muito incomuns, com apenas três outros exemplos conhecidos até o momento.
O cemitério recém-descoberto está localizado a apenas 1 km de uma propriedade de um nobre da Era Viking, originalmente escavada em 1989, que abrangia uma área de 19.000 m² cercada por uma paliçada.
A identidade do proprietário da propriedade é desconhecida, mas ele teria sido alguém de grande riqueza e importância regional, provavelmente com conexões com o rei e envolvido no desenvolvimento urbano de Aarhus (ou Aros, como era conhecida na Era Viking).
É possível, portanto, que os túmulos recém-descobertos pertençam a moradores dessa propriedade, com indivíduos de alto status enterrados com objetos caros, enquanto os sepultamentos sem bens funerários podem incluir pessoas escravizadas.
Os achados serão analisados nos próximos meses, e outra escavação está planejada a poucos quilômetros de Lisbjerg, o que poderá aprimorar ainda mais nossa compreensão da área na Era Viking.
A Era Viking, rica em narrativas de bravura e expansão, paradoxalmente, silencia sobre um dos aspectos mais fundamentais da vida humana: a gravidez.
A pesquisa de Marianne Hem Eriksen e as recentes descobertas arqueológicas, como o cemitério de Lisbjerg, desafiam essa invisibilidade, revelando que a ausência de representação não significa ausência de existência, mas sim uma escolha política e social da época.
Compreender o papel das mulheres grávidas vikings na sociedade é fundamental para desconstruir estereótipos e oferecer uma visão mais completa e matizada da complexidade dessa fascinante civilização.
As descobertas nos convidam a continuar questionando as fontes e a buscar as histórias que foram deixadas de lado, enriquecendo nosso entendimento sobre a Era Viking e suas populações.
Este artigo foi parcialmente criado por Inteligência Artificial (IA). Para mais notícias sobre achados arqueológicos e história, continue acompanhando a Livros Vikings. Somos um portal dedicado a trazer informações históricas e curiosidades sobre a Era Viking. Se você gostou deste artigo, compartilhe-o em suas redes sociais!
Referências
BERGSTRØM, Ida; GJELLESVIK, Alette. What did the Vikings really think about pregnant women?. Science Norway, Oslo, 19 jul. 2025. Disponível em: <https://www.sciencenorway.no/viking-age-pregnancy-vikings/what-did-the-vikings-really-think-about-pregnant-women/2533760>. Acesso em: 20 jul. 2025.
BRUNSKILL, Amy. A Viking Age cemetery. The Past, Londres, 20 jul. 2025. Disponível em: <https://the-past.com/news/a-viking-age-cemetery/>. Acesso em: 20 jul. 2025.
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É muito importante o que os estudiosos estão relatando em rela ção às mulheres grávidas (gestantes) da era Viking. Parabéns, e votos de sucesso. Vamos todos estar aguardando mais novidades a respeito deste tema. (Eugênio, em 21.julho.2025 / 2a. feira).