Valhalla e a trilha do Rei Viking: o legado disputado da Era Viking
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A Era Viking deixou rotas de fé e mitos de guerra. Entenda a complexa herança viking, de peregrinos a extremistas

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Quando pensamos na Era Viking, a imagem que frequentemente domina o imaginário popular é a do guerreiro feroz, do explorador implacável e da rica mitologia pagã centrada em Odin e no Valhalla. No entanto, essa visão, embora parte da história, ignora a profunda e complexa transformação que marcou o fim desse período.
A herança viking não é monolítica; ela é um campo de batalha de interpretações, abrangendo tanto a fé cristianizada quanto a simbologia pagã apropriada.
Um dos exemplos mais potentes dessa dualidade é a figura de Olav Haraldsson. Conhecido como Santo Olavo, ele foi, ironicamente, um rei viking. Sua vida encapsula a transição da Noruega: um líder que, segundo a tradição, ajudou a cristianizar o país, afastando-o das antigas crenças. Hoje, seu legado não é celebrado com machados, mas com botas de caminhada.
Na Noruega, uma rede de rotas de peregrinação conhecida como os Caminhos de Santo Olavo (St. Olav Ways) converge para a Catedral de Nidaros, em Trondheim. Este local é o ponto de sepultamento de Olav, o rei viking canonizado. Esses caminhos representam uma faceta radicalmente diferente da memória viking: uma de introspecção, resistência e fé.
Enquanto uma parte do legado viking inspira tranquilas peregrinações por paisagens nórdicas, outra parte, focada no panteão pagão, foi sequestrada para fins sombrios. A jornada para entender a Era Viking hoje exige que caminhemos por ambas as trilhas: a do peregrino cristão e a do guerreiro pagão, compreendendo como cada uma molda, e distorce, o nosso presente.

Refazendo os passos da transformação viking na Noruega
Os caminhos que hoje servem a peregrinos e entusiastas do "turismo lento" (slow tourism) já foram as principais artérias de transporte entre Oslo e Trondheim. Com o desenvolvimento de rodovias e ferrovias modernas, essas trilhas históricas foram devolvidas à natureza e ao silêncio, permitindo uma experiência de imersão única na paisagem que o próprio Santo Olavo ajudou a transformar.
Seguir o Osterdalsleden (Trilha do Vale Oriental), uma dessas rotas, é uma jornada de aproximadamente 200 quilômetros (125 milhas) que revela a magnitude da Noruega rural. A caminhada, que pode levar mais de uma semana com uma média de 22 quilômetros (14 milhas) por dia, não é para os fracos de coração. Ela acumula um ganho de altitude de quase 4.000 metros (13.000 pés) e atravessa uma variedade impressionante de terrenos.
Os caminhantes serpenteiam por florestas exuberantes, pântanos planos e montanhosos, contornam montanhas e lagos, e cruzam rios que, por vezes, exigem travessia a pé, garantindo pés perpetuamente encharcados. Esta experiência difere profundamente de outras peregrinações mundialmente famosas, como a de Shikoku, no Japão, onde lojas de conveniência e templos oferecem conforto regular.
Na trilha de Santo Olavo, a autossuficiência é a regra. Os viajantes devem carregar todo o seu equipamento de acampamento, incluindo fogareiros e refeições liofilizadas, pois os encontros humanos são raros.
A água é coletada diretamente dos rios. A recompensa por essa isolação é uma conexão visceral com a terra, pontuada pela abundância de frutas silvestres: mirtilos, framboesas, groselhas brancas, morangos silvestres e as cobiçadas cloudberries (amoras-árticas).
As cloudberries são um fruto fascinante, crescendo apenas em terrenos ácidos de tundras e pântanos, com um pH muito específico (entre 3,5 e 5). Elas são um símbolo da natureza selvagem e resiliente da região.
O ponto mais alto da trilha fica dentro do Parque Nacional Forollhogna, uma área de montanhas "suaves". Atingindo mais de 1.200 metros (4.000 pés) acima do nível do mar, a paisagem se torna vasta e árida. É um "fjell", um planalto de tundra acima da linha das árvores, comum no norte da Europa.
O silêncio, quebrado apenas por pássaros e sinos de ovelhas, oferece um espaço para contemplar a transformação dessa terra viking, agora um refúgio de paz sustentável.
Valhalla e a mitologia guerreira do Mundo Viking Pagão
Se os Caminhos de Santo Olavo representam a faceta cristianizada e pacificada da herança viking, Valhalla representa seu extremo oposto. Este é o conceito que permanece mais firmemente entrincheirado na cultura popular: o ideal do guerreiro pagão.
Na mitologia nórdica, o destino após a morte era um conceito desenvolvido. Para a elite guerreira, o objetivo final era Valhalla, o "salão dos mortos". Governado por Odin, este era o local onde o deus principal reunia sua banda de guerreiros escolhidos, os Einherjar.
O acesso a Valhalla era restrito. Apenas aqueles que morriam de forma heroica em combate eram considerados dignos. Eram as Valquírias, as selecionadoras dos mortos, que escoltavam essas almas do campo de batalha até o grande salão.
Lá, os guerreiros passariam seus dias se preparando para o Ragnarök, a batalha apocalíptica contra os gigantes que destruiria o mundo.
Aqueles que morriam de doença, velhice, acidente, ou que haviam cometido crimes desonrosos, como assassinato, eram aparentemente excluídos dessa pós-vida marcial. Valhalla era, portanto, a exaltação máxima da morte violenta a serviço de um ideal guerreiro.
É um conceito que se choca diretamente com a teologia cristã da salvação e do martírio que Santo Olavo viria a representar.
Essa mitologia, com sua ênfase na glória marcial e pureza combativa, provou ser um terreno fértil para apropriações ideológicas séculos mais tarde, muito depois que Odin e as Valquírias haviam sido suplantados pela cruz nas terras nórdicas.

A sombria apropriação de Valhalla e dos Símbolos Viking
A fascinação pela mitologia nórdica nunca desapareceu, mas assumiu uma forma sinistra no século XX. Nos anos 1930, os ideólogos nazistas, notavelmente Heinrich Himmler, tornaram-se obcecados pela imagem do viking heroico e pelos símbolos nórdicos.
Eles viam a mitologia nórdica não como uma crença antiga, mas como a sobrevivência de uma cultura "germânica" mais ampla, que, segundo eles, havia sido suprimida pela "dominância judaico-cristã".
A "raça" nórdica foi elevada ao ideal ariano, e os símbolos vikings foram cooptados para dar legitimidade histórica a um passado alemão glorioso.
Hoje, essa apropriação continua. Grupos neonazistas e de supremacia branca utilizam um arsenal crescente de símbolos retirados da mitologia nórdica para construir suas identidades. Nas últimas décadas, o conceito de Valhalla foi especificamente sequestrado por aqueles dispostos a matar e morrer pela causa da "proteção" da supremacia branca.
A frase "vejo você em Valhalla" tornou-se um código arrepiante, notavelmente usado em manifestos de terroristas de extrema-direita. Em 2019, Brenton Tarrant, autor dos tiroteios em massa em mesquitas de Christchurch, Nova Zelândia (que mataram 51 pessoas), publicou um manifesto defendendo a teoria da conspiração da "grande substituição" (a mesma promovida por figuras como Charlie Kirk).
Tarrant encerrou seu discurso de ódio com:
Adeus, que Deus abençoe a todos e vejo vocês em Valhalla.
Da mesma forma, Peyton Gendron, que realizou o tiroteio em massa em Buffalo, Nova Iorque, em 2022 (matando dez afro-americanos), plagiou grande parte do manifesto de Tarrant e também concluiu com:
Espero vê-lo em Valhalla.
Ao invocar Valhalla, esses terroristas tentam se pintar como guerreiros na tradição viking. Obviamente, não há nada de heroico em massacrar civis desarmados. O ponto crucial é que essa referência não requer nenhuma compreensão real da tradição nórdica; ela deriva diretamente da fetichização nazista da morte violenta para assegurar a pureza racial.
A situação torna-se ainda mais turva quando essa linguagem extremista começa a "vazar" (um fenômeno de seepage) para o discurso dominante. A referência "til Valhalla" (até Valhalla) é usada por fuzileiros navais dos EUA para homenagear camaradas caídos, uma prática que pode ter se originado da influência das forças norueguesas da OTAN no Afeganistão.
Contudo, a frase específica "vejo você em Valhalla", usada pelo Diretor do FBI, Kash Patel, ao lamentar o assassinato de Charlie Kirk, é verbalmente muito mais próxima da despedida dos terroristas.
Embora Patel possa não ter tido a intenção, seu comentário ilustra como a retórica da extrema-direita, muitas vezes disfarçada de "citações vikings inspiradoras" ou memes, infiltra-se em espaços mais convencionais.
O uso casual de Patel, tentando elevar um assassinato trágico à morte de um guerreiro heroico, inadvertidamente "serviu como um sinal para os supremacistas brancos". Nas redes sociais de extrema-direita, a reação foi mista: alguns zombaram da aparente absurdidade de um homem da etnia de Patel se passando por viking, enquanto outros celebraram o fato de que um bordão da supremacia branca violenta havia chegado à boca do diretor do FBI.
A herança da Era Viking é um legado vasto e fraturado. De um lado, temos a transformação representada por Santo Olavo, cujo impacto cristianizante abriu caminho para a paz e a introspecção, hoje celebradas nas trilhas silenciosas de peregrinação da Noruega.
Do outro, temos o eco persistente do mundo pagão — Valhalla, Odin e o ideal do guerreiro — que, arrancado de seu contexto, tornou-se uma ferramenta perigosa nas mãos de ideologias de ódio.
A distância entre a Catedral de Nidaros e os manifestos de Christchurch é imensa, mas ambos bebem da mesma fonte histórica.
Compreender a Era Viking no século XXI exige mais do que admirar navios ou repetir mitos; exige um olhar crítico sobre como esses símbolos poderosos são usados, seja para promover o turismo sustentável e a reflexão histórica, seja para justificar a violência e o extremismo.
Este artigo foi parcialmente criado por Inteligência Artificial (IA). Para mais notícias sobre achados arqueológicos e história, continue acompanhando a Livros Vikings. Somos um portal dedicado a trazer informações históricas e curiosidades sobre a Era Viking. Se você gostou deste artigo, compartilhe-o em suas redes sociais!
Referências
BIRKETT, Tom. ‘See you in Valhalla’: how the FBI director waded into the far-right’s obsession with the Vikings. The Conversation. Londres, 01 de out. de 2025. Disponível em: <https://theconversation.com/see-you-in-valhalla-how-the-fbi-director-waded-into-the-far-rights-obsession-with-the-vikings-266281>. Acesso em: 24 de out. de 2025.
GIACCONE, Marta. A Pilgrim Route in Norway: Berries, Bogs and a Viking King. NY Times. Nova Iorque, 23 de out. de 2025. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2025/10/23/travel/norway-pilgrimage-route-st-olav-ways.html>. Acesso em: 24 de out. de 2025.
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