Durante uma escavação perto do pequeno vilarejo de Lány, na República Tcheca, uma estudante de graduação descobriu uma seção de costela de vaca que tinha algumas marcas estranhas esculpidas em sua superfície. Ela não sabia o que eram, mas pode afirmar que foram feitas pelo homem. Alena Slámová, que está cursando arqueologia na Universidade de Masaryk em Brno, deu o curioso item aos seus colegas para uma análise posterior. Eles finalmente confirmaram que os entalhes eram caracteres rúnicos germânicos, comuns a um sistema rúnico que era usado pelos povos germânicos dos Séculos II ao VII.
Embora a descoberta do osso de vaca com os caracteres rúnicos tenha sido notável, a maior surpresa veio após os resultados dos testes de radiocarbono. Os pesquisadores dataram o osso de vaca em 1.400 anos, sendo então de aproximadamente 600 d.C. São mais de duzentos anos antes dos descendentes eslavos dos tchecos modernos começarem a usar o próprio sistema de escrita.
Caracteres germânicos rúnicos em osso de vaca podem mudar a história
Uma equipe internacional de pesquisadores, com membros da República Tcheca, Áustria, Suíça e Austrália participou da escavação original e do estudo subsequente do osso de vaca e de seus entalhes rúnicos. Eles publicaram os resultados de suas análises na edição de março de 2021 do Journal of Archaeological Science. “Foi absolutamente surpreendente para nós”, disse o autor principal Jiří Macháček, que dirige o departamento de arqueologia da Universidade de Masaryk em Brno, às Radio Free Europe e Radio Liberty.
Macháček e seus colegas têm duas teorias que podem explicar como o osso de vaca com os caracteres rúnicos foi criado. A primeira é que o osso foi esculpido por uma pessoa de ascendência germânica que vivia no território eslavo durante o Século VII. A segunda teoria, que Macháček parece favorecer, sugere que o osso foi inscrito por um eslavo que aprendeu o sistema rúnico germânico e quis gravá-lo à posteridade ou para ajudar outras pessoas a aprendê-lo.
De qualquer forma, Macháček acredita que o que sua equipe recuperou representa um sinal de relações amigáveis.
“Isso mostra que eles estavam tentando se comunicar e não apenas brigando o tempo todo”, disse Macháček em uma entrevista ao New York Times.
Se essa conclusão for verdadeira, representaria um afastamento significativo das teorias atuais sobre a história europeia moderna. O povo eslavo foi alvo de uma campanha de extermínio implacável nas mãos da Alemanha nazista. Foi uma época traumática para os residentes dos países eslavos e criou uma cisão entre os povos eslavos e os alemães que ainda pode levar muito tempo para ser curada.
A história oficial ... agora precisa de uma revisão?
A história oficial da criação diz que o primeiro alfabeto exclusivamente eslavo foi inventado por São Cirilo, um monge grego que frequentemente representava o Império Bizantino como um missionário cristão.
Em 863 d.C, Cirilo e seu irmão São Metódio foram enviados pelo Imperador Miguel III para espalhar o Cristianismo pelas terras eslavas. Para incentivar o estudo religioso mais avançado entre os seus novos adeptos, Cyril decidiu traduzir uma importante literatura cristã à língua escrita local.
Supostamente, os eslavos não tinham linguagem escrita na época. Assim, o ambicioso monge criou a escrita glagolítica, que pretendia representar o dialeto falado das tribos eslavas que viviam sob o domínio bizantino.
A forma mais antiga de escrita eslava, a escrita glagolítica, serviu de base para a escrita e o alfabeto cirílico, que ainda é usado até hoje. O sistema cirílico, que foi criado na Bulgária no final do Século IX, mesclando elementos dos alfabetos grego e glagolítico. As escritas cirílicas e glagolíticas eram essencialmente rivais, e somente na Idade Média que o alfabeto cirílico substituiu totalmente o glagolítico em todos os territórios eslavos.
Mas, os caracteres rúnicos na costela de uma vaca do Século VII não têm nenhuma semelhança com a escrita eslava antiga. Foi identificado pelo filólogo Robert Nedoma, da Universidade de Viena, como pertencente a um tipo de escrita rúnica conhecido como Elder Futhark. Este sistema rúnico foi amplamente usado no norte da Europa até o Século VII. É inquestionavelmente de origem germânica, não tendo nenhuma conexão com qualquer estilo de escrita eslavo conhecido.
Existem 24 letras no sistema de caracteres rúnicos do Elder Futhark. O que foi encontrado gravado no osso não foi uma palavra ou palavras formadas a partir dessas letras, mas sim, a representações dos últimos sete caracteres do Elfer Futhark
“É provável que todos os 24 caracteres do sistema rúnico tenham sido originalmente inscritos no osso [completo]”, explicaram os pesquisadores em um comunicado à imprensa, emitido pela Universidade de Masaryk. “O osso não estava inscrito com uma mensagem específica. Em vez disso, parece ser um auxiliar de aprendizagem, uma ideia para a qual os vários erros na inscrição dão peso”.
Se for verdade, essa conclusão levanta possibilidades fascinantes. Será que um indivíduo de origem germânica estava tentando ensinar o sistema de caracteres rúnicos aos eslavos? Se for assim, pode significar que existiram relações amigáveis entre alguns germânicos e seus vizinhos eslavos no passado distante.
A diplomacia do alfabeto no primeiro milênio da Europa Central
Os povos eslavos e germânicos têm uma história na Europa central. Os ancestrais do povo eslavo chegaram à região no Século I d.C., e encontraram os povos germânicos ocupando o território naquela época. A história oficial diz que os eslavos eventualmente expulsaram os germânicos, substituindo-os como o povo dominante da região, após a queda do Império Romano.
Mas talvez as relações entre os emigrantes eslavos e os habitantes germânicos originais não fossem tão hostis como se acreditava anteriormente. Alguns germânicos podem ter continuado a residir, presumivelmente em paz, em comunidades germânicas que permaneceram intocadas dentro dos limites do território eslavo.
Florin Curta, um professor de história e arqueologia da Universidade da Flórida que não esteve envolvido no estudo do osso de vaca, afirmou que "não pode haver dúvida" de que as marcas no artefato são caracteres rúnicos germânicos, e que isso é indubitavelmente uma “descoberta muito importante”. Mas ele acredita que não há como ter sido esculpido por uma pessoa de ascendência eslava. É muito mais provável, afirma ele, que os criadores do artefato fossem habitantes locais que se comunicavam em uma língua germânica.
Se de fato as comunidades germânicas sobreviventes estavam tentando ensinar o seu sistema rúnico aos seus vizinhos eslavos, parece que seus esforços não tiveram sucesso. A partir de agora, o osso de vaca com as misteriosas marcações rúnicas é uma descoberta totalmente única. A menos que artefatos semelhantes sejam descobertos no futuro, não há nenhuma boa razão para contestar a versão oficial de como o primeiro alfabeto eslavo foi criado.
FONTE: Ancient Origins
FALDE, Nathan. Runic Letters Scratched into 7th Century Cow Bone Could Change History. Ancient Origins. Dublin, 20 de mai. de 2021. Disponível em: <https://www.ancient-origins.net/news-history-archaeology/runic-letters-0015349>. Acesso em: 21 de mai. de 2021. (Livremente traduzido pela Livros Vikings).
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