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APOCALIPSE VIKING: A INVASÃO QUE CAUSOU A DESGRAÇA DOS ANGLO-SAXÕES

A Inglaterra, no final do primeiro milênio, estava de joelhos, atormentada pelos invasores nórdicos. Laura Ashe conta a história desta era turbulenta, através dos registros de um bispo anglo-saxão que viria ajudar a reconstruir a sua nação.


Os Vikings invadindo a Inglaterra

No final do primeiro milênio, a Inglaterra estava sob ataque. Por mais de uma década, os invasores vikings estavam atracando à vontade na costa ou navegando rio acima em seus longos barcos. Os nórdicos saqueavam assentamentos e aldeias. Eles pegavam todos os bens de valor, apreendiam as mulheres e crianças para serem vendidas como escravas e matavam aqueles que lutavam contra eles.


Temos um vislumbre de como era enfrentar os vikings nas 325 linhas sobreviventes do poema, em inglês antigo, A Batalha de Maldon. Ele conta como, em 991, Ealdorman Byrhtnoth e seus homens encontraram um exército viking na costa de Essex. As duas forças ficaram em impasse na costa, divididas por uma estreita passagem, até que Byrhtnoth convidou os seus inimigos para avançar a um terreno mais firme, onde lutaram, e ele foi morto.


O poeta sem nome nos diz que os homens de Byrhtnoth, leais além da morte, ficaram para lutar até o fim, mesmo após a queda de seu Senhor, expondo que suas determinação nunca vacilava: “A mente é dura, o coração corajoso, o espírito é maior, como nossa força. "O poeta sugere que Byrhtnoth permitiu que seu orgulho, seu ofermod, o levasse a um conflito desesperado, mas, na realidade, ele tinha pouca escolha a não ser lutar. Até tentativas bem-sucedidas de defesa foram apenas temporárias, porque os vikings simplesmente retornavam aos seus navios, se reagrupavam e seguiam a outros lugares.


Claro que não havia nada de novo nisso. Os invasores nórdicos atormentaram os reinos anglo-saxões da Inglaterra por dois séculos e continuaram a fazê-lo depois que o rei Æthelstan uniu esses reinos em uma nação inglesa no início do Século X. Contudo, raramente os ataques vikings foram a causa do caos, discórdia e da destruição, como nos anos que encerraram o primeiro milênio.


À medida que os incansáveis anos de conflito continuavam, os ataques só se tornavam mais frequentes e intensos. O Mar do Norte era uma zona de reinos escandinavos em guerra, em que qualquer homem derrotado ou expulso de seu próprio país podia procurar aliados, riquezas e despojos invadindo outros lugares, construindo seu poder para um novo ataque e posterior retorno. Que esperança havia para concluir um assassinato?


Assediado por horrores

Um homem chamado Wulfstan foi nomeado bispo de Londres em 996. Ele deve ter sido um monge antes de sua eleição, mas não sabemos nada sobre seu nascimento ou sua juventude. O que temos de seu tempo em Londres e depois, no entanto, é muito mais valioso do que qualquer biografia: uma manifestação de suas palavras e seus pensamentos, expressando com vivacidade os horrores que assolaram os ingleses. No início do Século XI, como sacerdote, escritor e estadista, Wulfstan seria central para restabelecer a ordem no reino, servindo os reis ingleses e os conquistadores dinamarqueses. Mas, à medida que o ano 1000 se aproximava, ele escrevia que esse caos poderia até sinalizar o fim do mundo:



“Agora, isso deve necessariamente se tornar muito pior, porque está chegando muito perto do tempo dele, exatamente como está escrito e profetizado há muito tempo: 'Depois de mil anos, Satanás estará livre'. Mil anos e mais passaram desde que Cristo esteve entre os homens em sua forma humana, e agora as amarras de Satanás se tornaram muito frouxas, e o tempo do Anticristo está muito próximo, e assim o mundo enfraquecerá, enquanto o tempo continuar a passar”.



Nesta leitura, a Inglaterra não era apenas um país cristão cercado por invasores pagãos e sofrendo uma série de derrotas esmagadoras. Seu povo estava sofrendo com a aproximação do Julgamento Final. E com o apocalipse se aproximando, não bastava o Wulfstan ser apenas um profeta da destruição. Ele se chamava Lupus, o Lobo, e lançou ataques verbais selvagens contra os pecados de seu povo, certo de que suas dificuldades eram um castigo de Deus.


O Lobo não estava sozinho em buscar a ajuda de Deus e ganhar ganhar o seu perdão. O fracasso dos exércitos ingleses, mesmo quando eles, como cristãos, lutavam para defender sua terra natal contra inimigos pagãos, pareceu sugerir que a ira de Deus se voltara toda contra a violência e o pecado. Os homens que caíram em batalha não tiveram salvação garantida — nem por mais um século, os guerreiros receberiam as graças de Deus em suas cruzadas na terra santa.


Na Inglaterra, na virada do milênio, a única maneira de agradar a Deus, era alcançar a paz e se arrepender de todos os pecados. No rescaldo da batalha de Maldon, a Crônica Anglo-Saxônica nos diz que os vikings aceitaram 10.000 libras do rei anglo-saxão Æthelred — conhecido como unræd, 'desaconselhado', embora ele tenha sido posteriormente apelidado de 'não-desejado' — para cessar seus ataques. Porém, se a trégua foi feita com um grupo de invasores, sempre havia mais para substituí-los.


Apocalipse evitado

Em 993, os vikings derrotaram um grande exército inglês e, em 994, Æthelred fez outro tratado com os líderes vikings, pagando a eles a vasta fortuna de 22.000 libras em ouro e prata. Com esse tratado, porém, veio um avanço: Olaf Tryggvason foi batizado como cristão, tento o rei Æthelred como o seu patrocinador. Olaf retornou à Noruega, onde foi coroado em 995. Em seguida, embarcou na conversão de seu povo e nunca mais atacou a Inglaterra. Parecia que a resposta para os problemas da Inglaterra poderia estar na fé. Se os vikings pudessem ser persuadidos a aceitar o batismo e fazer as pazes com os seus companheiros cristãos, talvez o apocalipse pudesse ser evitado.


Mas o rei dos "desaconselhados" também tentou outras estratégias. Juntamente com a sua diplomacia cristã e subornos políticos, Æthelred também pagava aos guerreiros vikings para se juntarem ao seu próprio exército como mercenários, defendendo a Inglaterra contra os seus compatriotas. É difícil avaliar a eficácia dessas forças, mas os mercenários entre as populações civis causavam estragos e a insatisfação em todos os lugares e épocas.


“O Wulfstan elaborou sermões e homilias que excluíam a necessidade do arrependimento do pecado”.


Em 1002, Æthelred tentou outra tática mais violenta: ele ordenou a morte "de todos os homens dinamarqueses que estavam na Inglaterra". Isso ficou conhecido como Massacre do Dia de São Brício, realizado em 13 de novembro. Agora não podemos saber o quão terrível esse exercício deveria ser, nem quantas pessoas foram massacradas — se isso foi a supressão de alguns grupos de mercenários viking, ou um ataque generalizado e sancionado de maneira real a um povo que há muito tempo fazia massacres à grande parte da população da Inglaterra.


Uma evidência arrepiante dos assassinatos no dia de St. Brice vem de Oxford. Æthelred emitiu uma carta dois anos depois, em 1004, descrevendo sua restauração da Igreja de St Frideswide. Quando ele ordenou a morte de todos os dinamarqueses, afirmou, alguns deles fugiram para um santuário na igreja de Oxford, e quando os perseguidores não conseguiram alcançá-los, incendiaram a igreja inteira. Em 2008, uma escavação arqueológica no St. John's College encontrou um poço que continha esqueletos amontoados de cerca de 36 jovens, a maioria deles com menos de 25 anos, todos considerados vítimas desse crime. Com impressionante complacência, no final de sua carta, Æthelred anotou piamente que "com a ajuda de Deus" ele havia reconstruído a igreja.


Destruição cada vez maior

Ao longo desses anos, a influência do Wulfstan continuou a crescer. Em 1002, ele foi promovido a se tornar bispo de Worcester e arcebispo de York, mantendo as duas sedes (cadeiras de autoridade eclesiásticas) de uma só vez. Em um golpe, ele se tornou o braço direito do rei Æthelred no Norte, onde os dinamarqueses exerciam maior influência, enquanto o rico bispado de Worcester fazia dele um poder no coração da Inglaterra.


A fome no norte da Europa em 1005 ofereceu uma trégua aos ataques, mas foi apenas temporária. Nos anos de 1006 a 1012, a Inglaterra sofreu dois dos mais devastadores ataques vikings de todos os tempos, com a invasão e a destruição varrendo regiões cada vez maiores do país. Foi durante esses anos que o arcebispo Wulfstan emergiu como o principal estadista do rei, e seus escritos mostram como ele lidava com a crise no mais alto nível.


O Lobo escreveu códigos de lei e legislação para Æthelred e seu povo, buscando reforçar o estado inglês em seu governo e na justiça. Ele desenhou sermões e homilias que trovejavam a necessidade de arrependimento do pecado. Ele escreveu obras de teoria política sobre como o Estado deveria funcionar e o papel de cada membro da sociedade em seu florescimento. Em 1009, “quando o grande exército chegou ao país”, o Wulfstan compôs um código de lei em nome de Æthelred ordenando que todas as pessoas executassem penitência pública, na esperança de obter o perdão de Deus:


“Todos nós precisamos sinceramente nos esforçar para ganhar do poder de Deus, misericórdia e compaixão, para que com a ajuda dele possamos resistir aos nossos inimigos. Agora é nossa vontade, que todas as pessoas realizem uma penitência geral por três dias com pão, ervas e água ... e clamem com urgência a Cristo, do mais fundo dos nossos corações”.


“Com grande capacidade de previsão e habilidade política, Wulfstan aproveitou a chance para refazer a nação sob o seu novo rei dinamarquês”.


Para o Wulfstan, a história só poderia ser explicada pela vontade de Deus — e pela determinação de Deus em punir os pecadores, mesmo com a destruição de uma nação. No entanto, algo importante mudou com o passar do milênio. O fim do mundo, ao que parecia, talvez não estivesse ao alcance de todos. Os dinamarqueses traziam exércitos para a Inglaterra, agora eram os próprios cristãos — e se nem todos os seus guerreiros praticavam a fé, certamente seus governantes e líderes o faziam. Eles não podiam mais ser considerados ministros do Satanás, ou sinais de seu poder no mundo, mas — como sua obra mais famosa, o Sermão do Lobo para os ingleses (escrito em 1009 d.C.), detalha — o instrumento de punição de Deus pelos pecados ingleses.


"Amados, saibam a verdade", ele começou. “Este mundo está com pressa e se aproximar do fim. E, portanto, quanto mais tempo passar, é pior para o mundo. Por causa dos pecados das pessoas, é necessário que ele piore de dia a dia, até a chegada do Anticristo”.


Esses grandes pecados invadiram o país, disse Wulfstan, e assim os invasores dinamarqueses nunca seriam derrotados: "Os ingleses estão há muito sem vitória, terrivelmente desmoralizados pela ira de Deus".


O Wulfstan lembrou o povo inglês de seu próprio passado como invasores e conquistadores que haviam tomado a terra dos britânicos: "Havia um historiador na época dos britânicos chamado Gildas. Ele escreveu sobre seus delitos, de como através de seus pecados eles irritaram a Deus tão excessivamente que, finalmente, ele permitiu que o exército inglês conquistasse suas terras e destruísse inteiramente a força britânica. Mas agora, declarou o Wulfstan, conhecemos pecados piores entre os ingleses, que nunca os britânicos cometeram e, portanto, os dinamarqueses foram enviados para nos flagelar.


O terror das pessoas

Na época em que o Wulfstan escreveu o Sermão do Lobo para os ingleses, um dos eventos mais notórios da luta ocorreu: a morte violenta de um arcebispo. Em setembro de 1011, um exército dinamarquês capturou Canterbury e tomou o arcebispo Ælfheah como refém. Eles exigiram uma quantia vasta pela liberdade da cidade e depois saques pela libertação do arcebispo, mas diz-se que Ælfheah se recusou a ser resgatado. Em 19 de abril de 1012, ele foi morto, aparentemente espancado até a morte durante um banquete de bebedera. Agora Wulfstan, arcebispo de York, era o clérigo mais importante do país, e ele carregava o peso moral do terror de seu povo.


Nesse ponto, ele deve ter percebido uma mudança inexorável nas implicações políticas e teológicas dos ataques dinamarqueses. Em 1013, Swein Forkbeard, Rei da Dinamarca, lançou uma invasão à Inglaterra que pretendia resultar não em pilhagem ou tributo, mas em conquista. Ele desembarcou em Sandwich no verão e navegou pela costa até o Humber antes de avançar para o sul através do país, recebendo submissão à medida que cada cidade e a região se rendia diante dele. Em face desse ataque, Æthelred fugiu para a Normandia.


A parte do Wulfstan nesses eventos é desconhecida, mas em fevereiro de 1014, Swein morreu, e tudo ficou novamente incerto. Os dinamarqueses elegeram o filho mais novo de Swein, Cnut, como o Rei da Inglaterra (o ancião, Harald, herdeiro do trono dinamarquês), mas os magnatas ingleses enviaram Æthelred para retomar a coroa, “desde que ele os governasse melhor do que ele fez antes”. No retorno de Æthelred, Wulfstan elaborou mais legislação para ele, tentando estabelecer seu governo em uma firme base cristã, e relançou seu Sermão do Lobo, exortando os ingleses a rejeitarem o pecado e começarem de novo.


Mais uma crise

Contudo, a política inglesa agora era totalmente caótica. Cnut desembarcou com uma força de invasão no verão de 1015 e, em 23 de abril de 1016, o reino foi lançado em mais uma crise pela morte do rei Æthelred. Cnut lutava pelo controle da Inglaterra com o filho de Æthelred, Edmund 'Ironside', até que o dinamarquês obteve uma vitória decisiva em 18 de outubro de 1016 em Assandun (Ashdon, no noroeste ou Ashingdon, no sudeste de Essex). Foi feito um tratado, no qual, Edmund e Cnut dividiriam o país entre eles, mas quando Edmund seguiu seu pai para o túmulo em 30 de novembro do mesmo ano, Cnut conseguiu todo o reino.

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Com grande capacidade de previsão e habilidade política, o Wulfstan agora aproveitou a chance para refazer a nação sob esse novo rei. Cnut era cristão, como seu pai tinha sido, e com o conselho de Wulfstan, ele procurou se apresentar ao seu povo recém-conquistado como um rei justo e piedoso aos ingleses, de acordo com os ideais do estado inglês. Ele dotou uma igreja no local do campo de batalha em Assandun, que o Wulfstan dedicou às almas dos que haviam caído — dinamarqueses e ingleses.


Em um conselho realizado em Oxford em 1018, o Wulfstan foi fundamental na elaboração da legislação que estabeleceu a paz entre ingleses e dinamarqueses. Em 1020 ou 1021, ele compôs para Cnut o maior código jurídico anglo-saxão já produzido, um compêndio que reunia e refinava as leis dos reis ingleses anteriores. O código da lei de Cnut, escrito por Wulfstan, foi reeditado por Edward, o Confessor, e mais tarde por William, o Conquistador, e seus filhos e netos. Algumas dessas leis são subjacentes às cláusulas da Magna Carta.


O Wulfstan morreu em 1023, mas o Lobo deixou uma marca indelével na política inglesa. Ele viveu o que parecia um apocalipse, viu sua nação completamente derrotada e seu povo caído de joelhos. Mas, na esperança de uma sociedade cristã renovada, liderada por um rei cristão, o dinamarquês Cnut acabou por incomodá-lo muito menos do que os fracassos de Æthelred. Ele escreveu que um rei deveria ser "o conforto do povo e um pastor justo sobre o rebanho cristão", e ensinou a Cnut o que isso significava.


"Porque, se o rei aprecia a justiça aos olhos de Deus e do mundo", promete, "por meio dele, prosperar junto de seus súditos ... desta forma, a nação somente o fará".


A Era do Lobo

950-90 d.C.

Provavelmente nascido em meados do Século X, Wulfstan se tornou um monge quando o movimento de reforma beneditina estava fortalecendo o poder da igreja.


Anos 900

Wulfstan ganhava reputação como escritor e pregador eloquente. Enquanto os ataques Vikings cresciam em intensidade, ele compôs sermões apocalípticos sobre a vinda do Anticristo.


996

Wulfstan se tornou bispo de Londres, nomeado em sua correspondência como Lupus episcopus: "o Bispo Lobo".


1002

Ele foi promovido ao bispado de Worcester e a arcebispado de York, realizado na pluralidade — o norte era uma região fronteiriça instável e foi comum combinar York com uma vista no sul.


1008

Ele estava redigindo códigos legais e legislação pública para o Rei Æthelred, incluindo o famoso código penitencial de 1009, comandando todos os ingleses à uma penitência de três dias para obter o perdão de Deus e sua ajuda contra os dinamarqueses.


1009-16

Wulfstan escreveu e reformulou o Sermão do Lobo para o inglês ao longo dos anos de invasão e a conquista dinamarquesa, pregando e divulgando-o.


1016-18

Ele desempenhara um papel diplomático após a conquista de Cnut em 1016. No Conselho de Oxford, em 1018, ele esteve envolvido na paz pública entre os dinamarqueses e ingleses.


1018

Wulfstan dedicara uma igreja às almas dos mortos no local da vitória decisiva de Cnut em Assandun (Ashdon ou Ashingdon) em Essex.


1020–21

Wulfstan elaborou o excelente e novo código jurídico do Rei Cnut para os ingleses.


1023

Wulfstan morreu em York e foi enterrado em Ely, em Cambridgeshire.


FONTE: History Extra

ASHE, Laura. Viking apocalypse: the invasion that spelled doom for the Anglo-Saxons. History Extra. Londres, 24 de jan. 2019. Disponível em: <https://www.historyextra.com/period/viking/wulfstan-account-norse-raiders-invasion-doomed-anglo-saxons/>. Acesso em: 03 de jun. de 2020. (Livremente traduzido pela Livros Vikings)


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